Ilegalismos, desigualdades e mercados: reflexões a partir das trajetórias de carros roubados em São Paulo

 

André de Pieri Pimentel[1], Janaína Maldonado[2] , Isabela Vianna Pinho[3]



Fuente: Pixabay.


Estamos na grande São Paulo, centro financeiro do Brasil –região que se projeta como “o motor do desenvolvimento econômico” em um país “subdesenvolvido”–. Em uma manhã comum, o engenheiro agrônomo João estaciona seu carro, um Hyundai HB20 ano 2014, nas proximidades de uma estação de trem em Osasco (oeste da Região Metropolitana de São Paulo). Para economizar tempo e evitar congestionamentos, João pega o trem para ir trabalhar. Em um curto intervalo de tempo, o veículo é furtado por Grandão, experiente ladrão de carros, em uma ação que durou poucos segundos e não envolveu uso de armas ou qualquer tipo de confronto violento. O veículo possuía seguro, e foi localizado alguns dias depois por um caçador[4] contratado pela seguradora. Depois de recuperado, o veículo foi posto à venda em um leilão. João foi indenizado e com o dinheiro recebido comprou outro veículo (que foi, novamente, segurado).

Na noite do mesmo dia em que o HB20 de João foi furtado, em Ferraz de Vasconcelos, município a leste da grande São Paulo, o professor Sérgio teve seu Fiat Palio 2010 roubado por quatro jovens armados. A ação, ocorrida no estacionamento do cursinho pré-vestibular onde ele lecionava, também durou poucos segundos, mas envolveu confronto violento direto. O veículo não possuía seguro. Inicialmente, Sérgio fez contato com o disciplina da facção criminal Primeiro Comando da Capital (PCC) que atuava na sua quebrada,[5] mas não obteve sucesso. Depois, acionou a polícia através de um Boletim de Ocorrência. O carro foi localizado pela polícia alguns dias depois em local não muito distante, nas proximidades de uma favela na zona leste de São Paulo. Porém ele já estava parcialmente desmontado, sem condições de uso.

As trajetórias do HB20 e do Fiat Palio nos mostram como o roubo ou furto de um veículo conecta uma série de atores e lugares distintos: seguradoras, proprietários, ladrões, facções criminais, desmanches, caçadores, policiais, leilões, entre outros. Essas duas cenas representam algumas das muitas possibilidades de trajetórias de carros roubados ou furtados na grande São Paulo. A capital paulista é a que possui a maior frota de automóveis regularizados no país (5 942 122 automóveis, mais de 10% de toda a frota nacional),[6] e também é a que apresenta os maiores números de roubo e furto de veículos (no ano de 2020 foram registrados 13 965 roubos e 27 035 furtos).[7]

Esse texto expõe uma síntese dos resultados obtidos pela pesquisa coletiva “A regulação de mercados (i)legais: mecanismos de reprodução de desigualdades e violência, realizada entre os anos de 2016 e 2019.[8] Nela, apostamos na reconstituição de trajetórias de circulação de carros roubados como mote empírico para analisar processos de regulação de mercados e suas interfaces porosas entre o legal e o ilegal. Ao mesmo tempo, analisamos de que forma esses objetos estabelecem interações desiguais entre agentes, territórios urbanos e circuitos mercantis diversos. Os estudos sobre as trajetórias de circulação de objetos vêm ganhando relevância no debate contemporâneo, a partir de contribuições diversas (Appadurai, 2008; Henare, Hoolbrad e Wastell, 2007; Knowles, 2017; Tsing, 2015). No caso dos carros roubados, essas trajetórias extrapolam as ditas “zonas cinzentas” que produzem diferenciações (e também indiferenciações e porosidades) entre o legal e o ilegal (Telles, 2010). Elas também articulam e alimentam mercados situados na dita “economia formal” (Feltran, 2019).

As transformações econômicas e sociais presenciadas nas cidades brasileiras, assim como em muitas outras regiões do chamado Sul Global, representam ao mesmo tempo um desafio teórico e um potente objeto analítico para os estudos urbanos. Em meio à consolidação de novas geografias transnacionais da informalidade urbana enquanto lógica ordenadora (Roy e Alsayyad, 2004), presencia-se também a constituição de governanças criminais (Lessing, 2020), muitas  vezes com a participação de agentes  situados às margens do estado (Das e Poole, 2004).[9] Assim, tanto o estado quanto o “mundo do crime” podem ser vistos como regimes normativos, que compartilham e disputam a regulação de condutas e de mercados nas periferias paulistas (Feltran, 2012, 2014). Esse diálogo, por vezes tenso, entre normatividades distintas e muitas vezes antagônicas, é fortemente mediado pelo dinheiro (Feltran, 2014). Atualmente, os mercados ilegais não são apenas um “problema urbano”, eles são também um problema econômico, na medida em que sua participação na economia global é cada vez maior (Beckert e Dewey, 2017).

A partir disso, na primeira parte do texto, descrevemos o roubo e o furto de veículos, e argumentamos que eles representam mecanismos de expansão do “sistema da automobilidade” (Urry, 2005), agenciando uma pluralidade de redes econômicas que se constituem a partir do consumo de carros. Se os carros podem ser vistos como objetos que representam uma parte constitutiva de nossa humanidade contemporânea, atuando como mobilizadores de representações simbólicas e clivagens sociais (Miller, 2001), o roubo e o furto de veículos nos indicam um outro ângulo para analisarmos tais fenômenos.[10] Em seguida, descrevemos como ao mesmo tempo que automóveis e autopeças roubadas representam uma opção de consumo mais viável para muitos e um dinamizador de mercados formais, eles podem também representar uma opção de trabalho e de obtenção de renda, especialmente para seus operadores mais baixos, ou seja, os ladrões. O engajamento nessas redes é uma das muitas formas mobilizadas para se sobreviver na adversidade (Hirata, 2018), muito embora represente uma maior exposição à sujeição criminal (Misse, 2010), e a possibilidade concreta de serem presos ou mortos pelas forças policiais.

O roubo e o furto de veículos em São Paulo

Inicialmente, partiremos das trajetórias do roubo do Fiat Pálio do professor Sérgio e do furto do HB20 do engenheiro agrônomo João. Uma das principais diferenças nas duas trajetórias é a própria distinção entre roubo e furto. A legislação penal no Brasil estabelece uma distinção entre esses tipos de delito patrimonial. O roubo se caracterizaria pela subtração mediante coação física da vítima, muitas vezes envolvendo o uso de armas de fogo (exemplo do Pálio de Sérgio), enquanto o furto envolve subtração sem a presença e sem o conhecimento da vítima (exemplo do HB20 de João). Quando analisamos os territórios da cidade de São Paulo, onde há mais incidência de roubo e de furto de automóveis, podemos ver uma distinção entre essas localidades: enquanto os roubos são mais numerosos em regiões mais pauperizadas, os furtos ocorrem com mais frequência em regiões centrais e elitizadas.[11]

O furto de veículos é uma atividade mais profissionalizada em relação ao roubo. Ele envolve técnicas mais desenvolvidas, menos violência e menor risco (de ser “pego” pela polícia e/ou de o veículo ser recuperado). É comum que ladrões de carros mais especializados, que fazem furto, tenham iniciado sua “carreira” na subtração de veículos a partir do roubo armado, para depois adquirir as técnicas, os saberes práticos e as redes necessárias para furtar. Há uma clivagem interna aos ladrões de carros, onde aqueles que praticam roubos são seus mais baixos operadores, geralmente mais jovens e que estão expostos aos maiores riscos. Como roubos violentos são mais frequentes em regiões mais pobres, estes, mesmo quando vítimas, também estão mais expostos à violência decorrente desses roubos.

Há também diferenças significativas com relação à resposta policial em cada parte da cidade. Segundo verificado ao longo desta pesquisa, quando um veículo é subtraído em uma área mais central, a possibilidade de o autor desse delito ser localizado e punido é maior. Roubar ou furtar um carro em uma área central da cidade é uma prática muito mais difícil e perigosa, que exige maior especialização, planejamento e preparo. No entanto, não existe apenas a resposta estatal, outros atores operam na regulação do mercado de veículos, como a seguradora acionada por João, os caçadores acionados pela seguradora ou o “mundo do crime” acionado por Sérgio.[12]

Aqui, podemos ver a produção de interfaces porosas e de zonas cinzentas entre os setores público e privado: se, em tese, a proteção patrimonial é um direito assegurado por lei, cujo cumprimento compete ao Estado (no caso, à polícia), na prática a recuperação de veículos roubados é um campo da proteção patrimonial, no qual há um notável protagonismo de agentes privados, sendo um mercado em disputa. Companhias seguradoras, associações mutualistas de proteção veicular, empresas de rastreamento de veículos e até mesmo empresas que vendem consultoria e tecnologia para a formação de empresas de rastreamento são alguns dos agentes que exploram esse mercado altamente rentável e em expansão.

Interfaces entre a regulação estatal e a regulação privada: o roubo e o furto de veículos enquanto dinamizador econômico

O destino mais comum (mas não o único) de veículos roubados ou furtados em São Paulo é o desmonte ilegal –este foi o destino do Pálio de Sérgio, e muito provavelmente seria o destino do HB20 de João caso não fosse recuperado –. Segundo verificado em pesquisa empírica, há recorrências com relação a esses procedimentos. Geralmente os carros são deixados para esfriar em um local escondido (uma pequena garagem, uma viela, um terreno baldio ou um galpão equipado com jammers)[13] durante alguns dias, e depois disso, caso não tenham sido recuperados por caçadores ou policiais, aí sim eles são cortados. Essas peças oriundas de receptação podem ser vendidas de várias formas, desde a venda totalmente ilegal através de redes pessoais informais até a comercialização “legal” por estabelecimentos de desmontagem de veículos formalizados perante o departamento responsável pela fiscalização do trânsito em São Paulo, o DETRAN-SP.

Os desmanches são estabelecimentos comerciais que atuam com o desmonte de carros em fim de vida útil visando a venda de suas peças. São estabelecimentos historicamente presentes em São Paulo, sobretudo em regiões de intenso comércio popular. Porém há um grande estigma com relação à atividade, que é frequentemente associada ao roubo de carros. Essa associação deu origem, por exemplo, à formulação de uma lei estadual propondo a regulação dos desmanches em São Paulo ‒lei estadual (nº 12.977/2014) que foi defendida por seus idealizadores como instrumento de combate ao roubo e ao furto de veículos.

A partir da implementação da Lei do Desmonte, em 2014, institui-se oficialmente a figura do “desmanche formal”, o que produz deslocamentos com relação às diferenciações e às porosidades entre o legal e o ilegal. Por um lado, ela estabelece procedimentos até então inéditos, para assegurar a legalidade tanto das peças comercializadas quanto dos estabelecimentos comerciais (ambos passariam a ser cadastrados perante o DETRAN-SP). Por outro lado, ela não necessariamente pôs fim a formas extralegais de regulação desse mercado, como a comercialização regular de mercadorias políticas (Misse, 2007) –ou fiscalização, segundo a categoria êmica– frente a agentes policiais (para “poder funcionar sem problemas”, segundo descrito por alguns de nossos interlocutores).

O processo de formalização dos desmanches foi altamente favorável para as companhias seguradoras e para os leiloeiros. Atualmente, os leilões são o único canal de comercialização de veículos para o desmonte legal em larga escala, o que faz com que na prática eles figurem como instância de regulação do mercado da desmontagem. Essa posição estratégica possibilita que leiloeiros e seguradoras extraiam rendimentos produzidos pelo roubo de carros sem se expor a incriminação. As fraudes, que aquecem a receptação de veículos roubados, também aquecem e dinamizam o mercado automobilístico formal.[14]

No ano de 2020, o mercado de seguros automotivos arrecadou em torno de 35 bilhões de reais apenas com o pagamento de prêmios.[15] Com relação aos leilões de veículos em São Paulo, não existem dados públicos sobre o faturamento desse setor. Porém, segundo observado ao longo dessa pesquisa, estima-se que tais leilões possam produzir faturamentos brutos na casa dos 1.3 trilhões de reais em um único ano.[16] Segundo a chamada “Lei do Leiloeiro” (decreto nº 21.981, que regula a atividade no Brasil desde 1932), o leiloeiro tem direito a uma comissão de 5% sobre cada venda que ele media. Por exemplo, o HB20 de João foi leiloado por R$ 24,000, o que rendeu ao leiloeiro o valor de R$ 1,200 apenas pela mediação da venda (o valor do lance foi apropriado pela seguradora). Na grande São Paulo, há leilões de veículos todos os dias da semana, exceto domingos, e cada um deles pode colocar à venda entre cem e quinhentos carros. Esses veículos são, em sua esmagadora maioria, oriundos do mercado segurador, recuperados de sinistros –incluindo o roubo e o furto de carros, como no caso do HB20 de João.

Considerações finais: gestão diferencial dos ilegalismos, sujeição criminal e letalidade policial

Samuel[17] é um jovem negro de 15 anos, morador de um bairro periférico na zona leste de São Paulo. Em 2015, trabalhava como vendedor varejista de drogas ilícitas em uma biqueira (ponto de venda de drogas) no bairro onde morava. Antes, ele já havia praticado alguns roubos de carro – ações com dinâmicas semelhantes ao roubo do Palio do professor Sergio – , envolvendo grupos de jovens com pouca experiência no “mundo do crime”. Em roubos como esse, se bem sucedidos, Samuel poderia ganhar entre R$ 100 e R$ 150.[18] Naquele momento, o tráfico era sua principal fonte de renda, ele sabia que os riscos eram exponencialmente maiores em um roubo de carro, com o uso de armas de fogo e coação violenta da vítima. Em uma certa madrugada, Samuel fez um turno de 12 horas vendendo cocaína. Recebeu um total de R$ 300 pelo trabalho.

No dia seguinte, ele foi a um shopping center e gastou quase todo o dinheiro que tinha ganhado horas antes em uns óculos da marca Oakley. O dinheiro, outrora sujo, obtido através do engajamento em atividades ilícitas, se torna apenas dinheiro, recolhendo impostos e estimulando o consumo de marcas globais. Dois anos depois, Samuel, já procurado pela polícia como traficante e ladrão de veículos, é baleado nas costas após fugir de um bloqueio policial. Depois de alguns dias no hospital em estado grave, ele se recupera. Atualmente o rapaz ainda é procurado pela justiça, e ainda está no corre (envolvido em atividades ilícitas). É exatamente o dinheiro oriundo do engajamento nessas atividades que sustenta sua casa, onde mora com sua namorada e sua filha.

Samuel pode ser preso ou morto a qualquer momento. Esse é um risco concreto para a maioria dos jovens que, como ele, atuam como baixos operadores de mercados ilegais e criminalizados. Uma análise dos dados sobre a letalidade policial em São Paulo indica a existência de um perfil recorrente entre as vítimas dessas mortes: jovens, homens e negros. Além disso, há um recorte territorial com relação aos lugares onde há maior incidência dessas mortes: elas ocorrem em muito maior número em regiões periféricas (Sinhoretto, Silvestre e Schlittler, 2014). Outro indicador que chama a atenção é o fato de que a repressão ao roubo e ao furto de veículos é um elemento muito presente dentre esses homicídios cometidos por policiais (Godoi et al., 2020).

Em uma dimensão econômica, o roubo e o furto de carros produzem dobras entre o legal e o ilegal, figurando como fonte de acumulação para a economia global; em uma dimensão social, por sua vez, é notável que a criminalização desses mercados é fortemente conduzida através de uma sujeição criminal a seus mais baixos operadores. Enquanto grandes empresários atuantes na economia formal –seguradoras, leilões, desmanches e revendedoras– ganham muito dinheiro com o roubo e o furto de automóveis sem se expor a nenhum risco de incriminação, aqueles que praticam essas atividades recebem algumas centenas de reais por cada carro subtraído (isso quando não são recuperados), e estão intensamente sujeitos aos riscos de serem presos ou mortos por agentes de segurança pública, como a Polícia Militar.

Bibliografia

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  1. Doutorando em Ciências Sociais pela UNICAMP. E-mail de contato: andre.pierip@gmail.com.

  2. Doutoranda no programa “Democratizing security in turbulent times”, da Universidade de Hamburgo. E-mail de contato: janamaldonado40@gmail.com.

  3. Doutoranda em Sociologia pela UFSCar. E-mail de contato: isaviannapinho@gmail.com.

  4. Os caçadores são prestadores de serviços, contratados por companhias seguradoras ou por empresas de recuperação veicular. Eles são incumbidos de procurar e recuperar veículos roubados ou furtados (muitas vezes através de contratos temporários e recebendo por produtividade). Para mais sobre os caçadores, ver Feltran e Fromm (2020).

  5. O disciplina do PCC atuante em uma quebrada (categoria êmica utilizada para se referir às periferias e favelas em São Paulo) tem por função conduzir a regulação de litígios interpessoais naquele território, através de debates (onde cada envolvido expõe sua versão da história, para que se possa identificar possíveis culpados e estabelecer eventuais punições e/ou medidas de reparação de danos). Para mais sobre o PCC, ver Biondi (2010, 2018) e Feltran (2012, 2014, 2018).

  6. Fonte: Denatran (Departamento Nacional de Fiscalização do Trânsito).

  7. Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.

  8. Coordenada pelo prof. Dr. Gabriel Feltran (PPGS/UFSCar), apoiada pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEPID FAPESP – processo 2013/07616-7). Alguns resultados preliminares dessa pesquisa foram publicados em Feltran (2019), Feltran e Fromm (2020), Fromm (2019) e Pimentel (2019). Desde o final de 2019, a equipe atuante nessa pesquisa – incluindo os autores deste artigo – vêm trabalhando na redação do livro Stolen cars: a journey through São Paulo´s urban conflict. O livro está previsto para ser publicado pela editora Wiley no final de 2021, e será lançado pela série Studies in Urban and Social Change, do IJURR (International Journal of Urban and Regional Research). Em 2021, essa pesquisa deu origem ao projeto Carros globais: uma pesquisa urbana transnacional sobre a economia informal de veículos (Europa, África e América do Sul), financiada pela FAPESP com a cooperação da ANR (processo 2021/07160-7).

  9. Em São Paulo e em muitas outras cidades latino americanas, grupos criminais atuam na produção de ordenamentos cotidianos (Maldonado, 2019; Machado da Silva, 2008). As formas e os mecanismos de produção de tais governanças criminais são muito distintas em cada contexto. Nas periferias de São Paulo, a regulação estabelecida pelo PCC difere bastante com relação a regulações estabelecidas por grupos criminais em outras cidades brasileiras (Hirata e Grillo, 2017) e mesmo pelas gangues, pandillas ou carteis atuantes em outras regiões da América Latina (Misse, 2019, p. 24).

  10. Na bibliografia brasileira, o carro enquanto veículo produtor e reprodutor de desigualdades não é um tema novo (Damatta, 2010; Rolnik e Klintowitz, 2011; Vasconcellos, 1999), porém o roubo e o furto de veículos enquanto objeto para se analisar essas formas de desigualdade é tema pouco tratado, inclusive na bibliografia internacional. Aqui fazemos menção aos trabalhos de Dewey (2012), Grant e Grabosky (2001) e Rodríguez (2013), os poucos a que tivemos acesso até o momento que discutem o tema, em diferentes contextos urbanos.

  11. Fonte: análise das localidades de incidência de roubos e furtos na cidade de São Paulo informadas por dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo nos últimos anos.

  12. A escolha acerca de qual ator será acionado em face a um litígio, nesse caso o roubo ou furto de um veículo, é situacional e se relaciona com as diferentes posições ocupadas pelos sujeitos em face ao conflito urbano em São Paulo. Com relação às periferias urbanas na capital paulista, uma pluralidade de regimes normativos atua nos ordenamentos dos conflitos cotidianos, entre eles o estatal, o religioso e o do crime (Feltran, 2012, 2014).

  13. Equipamentos que bloqueiam o sinal de rastreadores de veículos.

  14. Leiloeiros e seguradoras já chegaram a ser publicamente denunciados por sua suposta conivência com práticas fraudulentas ligadas ao roubo e ao furto de veículos, no contexto de implementação da chamada CPI das seguradoras – Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada na Assembléia Legislativa de São Paulo no ano de 2007, com o objetivo de investigar ilegalidades na atuação dos envolvidos. A CPI foi encerrada em 2009, com algumas recomendações, mas sem nenhuma punição. Algumas dessas recomendações impactaram diretamente o mercado da desmontagem veicular, produzindo regulações adicionais que, mais tarde, seriam complementadas pela implementação da “lei do desmonte”.

  15. Fonte: CNSeg (Confederação Nacional de Seguros).

  16. Fonte: dados produzidos pelos pesquisadores através de observação em leilões de veículos entre o final de 2018 e o início de 2019.

  17. A trajetória de Samuel já foi contada em Feltran (2019).

  18. O valor pode variar a depender do modelo do veículo roubado. Nossos dados empíricos mostram que carros populares como o Fiat Palio, HB20, rendem entre R$ 400 e R$ 600 para os participantes da ação que dividirão o dinheiro e os custos (com arma de fogo, combustível, etc). Já um carro com alto valor de mercado, como uma caminhonete Toyota Hilux, pode render até R$ 1 000.